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    leitura

       PSV 04/2024   Depois de várias intervenções médicas, pensou que ia ficar cego. Mas não. Pela graça de Esculápio e de Nossa Senhora das Lágrimas, restou-lhe alguma visão. Não reconhecia um vulto do outro lado da rua, nem conseguia ler as placas de trânsito, ou as legendas apressadas dos filmes. Mas com o olho direito divisava ainda, à sua volta, o céu, as nuvens, as montanhas. Com o esquerdo ainda podia ler um bom livro, com a ajuda de um foco de luz. Para tudo existe um consolo. Agora lia muito devagar, voltando atrás quando as palavras se lhe embaralhavam. Repetia trechos, até convencer-se de que lera corretamente. Sussurrava frases que…

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    Esta noite era preciso silêncio

      PSV jan 2024 Esta noite era preciso silêncio. O manso silêncio do que não pode ser dito, o vasto silêncio da grande noite, a utopia de não haver no ar a menor vibração, o verdadeiro repouso, a ausência de qualquer coisa que lembre palavras. Impossível. As palavras não cessam, mesmo em meio ao silêncio mais radical. As palavras de dentro não obedecem à ordem de silêncio. Soam ininterruptas, Indomáveis, Incansáveis.   Ĉi tiun nokton necesus silento. La milda silento de nedireblaj aferoj, la vasta silento de granda nokto, la utopio, ke ne troviĝas en la aero plej eta vibro, la vera ripozo, la foresto de io ajn, kio memorigas pri vortoj.…

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    Esta noite era preciso silêncio

      PSV jan 2024 Esta noite era preciso silêncio. O manso silêncio do que não pode ser dito, o vasto silêncio da grande noite, a utopia de não haver no ar a menor vibração, o verdadeiro repouso, a ausência de qualquer coisa que lembre palavras. Impossível. As palavras não cessam, mesmo em meio ao silêncio mais radical. As palavras de dentro não obedecem à ordem de silêncio. Soam ininterruptas, Indomáveis, Incansáveis.   Ĉi tiun nokton necesus silento. La milda silento de nedireblaj aferoj, la vasta silento de granda nokto, la utopio, ke ne troviĝas en la aero plej eta vibro, la vera ripozo, la foresto de io ajn, kio memorigas pri vortoj.…

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    reler

      Um livro não é um livro; é muitos. É o livro que cada leitor quiser, num prodígio de multiplicação que transcende as decisões de seu autor primeiro. O leitor o refaz a seu modo. E essa é a beleza do livro. Além disso, o livro se transmuda também para cada leitor, dependendo de quando e como foi por ele lido. Uma bonita experiência é reler um bom livro muitos anos depois da primeira leitura. O leitor será outro, o livro será outro. Acabo de reler “Por quem os sinos dobram”, de Ernest Hemingway. Que bonita experiência! Tinha-o lido havia décadas, quando era muito jovem. Tinha então gostado muito, e…

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    reler

      Um livro não é um livro; é muitos. É o livro que cada leitor quiser, num prodígio de multiplicação que transcende as decisões de seu autor primeiro. O leitor o refaz a seu modo. E essa é a beleza do livro. Além disso, o livro se transmuda também para cada leitor, dependendo de quando e como foi por ele lido. Uma bonita experiência é reler um bom livro muitos anos depois da primeira leitura. O leitor será outro, o livro será outro. Acabo de reler “Por quem os sinos dobram”, de Ernest Hemingway. Que bonita experiência! Tinha-o lido havia décadas, quando era muito jovem. Tinha então gostado muito, e…

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    escrita em fuga

     2023   Sempre achei encanto na escrita, essa companheira tímida da leitura. Combina bem que andem de mãos dadas, e passeiem leves pelo bosque da alma. Há gosto em traçar umas linhas como nenhuma outra pessoa faria, como há gosto em ler de outrem o que nunca se escreveria. Mesmo que não se tenha leitor. Pois ando carente de escrita. O mundo está cheio de assuntos, como sempre esteve, mas eu não os vejo, por estes dias. Quero produzir frases, e me vêm apenas fatos; quero expressar um voo, e me vem um rastejar de réptil na lama; quero um acorde em forma de frase, e só me acodem ruídos. Que…

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    escrita em fuga

     2023   Sempre achei encanto na escrita, essa companheira tímida da leitura. Combina bem que andem de mãos dadas, e passeiem leves pelo bosque da alma. Há gosto em traçar umas linhas como nenhuma outra pessoa faria, como há gosto em ler de outrem o que nunca se escreveria. Mesmo que não se tenha leitor. Pois ando carente de escrita. O mundo está cheio de assuntos, como sempre esteve, mas eu não os vejo, por estes dias. Quero produzir frases, e me vêm apenas fatos; quero expressar um voo, e me vem um rastejar de réptil na lama; quero um acorde em forma de frase, e só me acodem ruídos. Que…

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    o pé de laranja

       PSV abr. 2020    Quando entrei no quintal pela primeira vez, há décadas, já estava ali o modesto pé de laranja, franzino, galhos espigados, incerta sombra. Raro frutificava, mas era uma festa quando as laranjinhas miúdas e azedas pintavam de amarelo a escassa folhagem. Ficamos amigos, e conversávamos nos finais de tarde. Ele me falava das noites de luar, do céu estrelado, do vento, da chuva e dos pássaros. Eu, do mundo e dos homens, e gostava de ouvir seu silêncio. Afinal, morreu. Foi ao chão a galhada raquítica, e com ela uma lágrima minha. Tudo a seu tempo. No lugar, está agora um jovem coqueiro-anão, verde e viçoso. Hei de…

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    o pé de laranja

       PSV abr. 2020    Quando entrei no quintal pela primeira vez, há décadas, já estava ali o modesto pé de laranja, franzino, galhos espigados, incerta sombra. Raro frutificava, mas era uma festa quando as laranjinhas miúdas e azedas pintavam de amarelo a escassa folhagem. Ficamos amigos, e conversávamos nos finais de tarde. Ele me falava das noites de luar, do céu estrelado, do vento, da chuva e dos pássaros. Eu, do mundo e dos homens, e gostava de ouvir seu silêncio. Afinal, morreu. Foi ao chão a galhada raquítica, e com ela uma lágrima minha. Tudo a seu tempo. No lugar, está agora um jovem coqueiro-anão, verde e viçoso. Hei de…

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    luto

      Uma hora  o luto chega. A Morte cobra o seu quinhão: - Tenho meus direitos! Que seria de ti, Vida, sem a minha contribuição? Irmã desprezada, exijo respeito. É preciso cumprir o luto. Para isso, há pelo menos duas maneiras. A primeira com roupas negras, o corpo curvado, olheiras na face; rituais e oferendas; o ser amado que se foi transformado em sombra, num altar obscuro; a única luz é a luz de velas. A segunda veste-se de azul, os olhos no céu limpo, onde passeiam nuvens sem rumo; o ser amado que se foi dança à volta, feliz com a vida que perdura; a oferenda é poder olhar…

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