Terapia transpessoal: caminhos para o bem-estar diante da angústia contemporânea
Terapia
transpessoal: caminhos para o bem-estar diante da angústia
contemporânea
Paulo P
Nascentes[1]
“A vida não é só
isso que se vê, é um pouco mais, que os olhos não conseguem perceber, e as mãos
não ousam tocar, e os pé recusam pisar.” (Paulinho da
Viola. Sei lá, Mangueira)
Angústia existencial
A
angústia difusa que acomete o sujeito contemporâneo é multifatorial e pode
estar ligada a uma falta de sentido para a vida. Isso causa um vazio indefinido,
sensação de desânimo, cansaço inexplicável, perda de apetite ou voracidade por
certos alimentos, diminuição ou exacerbação da libido. Resistente a tratamentos
medicamentosos, a peregrinação passa por consultórios médicos e prossegue nas
diferentes modalidades de terapias e psicoterapias, em tentativas de alívio muitas
vezes infrutíferas. Profissionais de saúde quer na instância pública ou privada
oferecem tratamentos por vezes regidos por protocolos mais ou menos rígidos e,
pior, sempre o mesmo para uma infinidade de sujeitos, desconsiderando assim
peculiaridades, como a forma de adoecimento de cada um. Para apimentar a
questão, fica a pergunta: como não adoecer numa sociedade ela mesma doente? Diante
de circunstâncias dolorosas, como alcançar “os mais altos fins da existência”,
usando as palavras de Hahnemann?
É preciso consider a subjetividade
do sujeito em sua expressão única. Do contrário, como lidar com sintomatologia
tão diversa, refratária a classificações e protocolos, portanto? É preciso considerar
a multidimensionalidade da nossa manifestação. O que nos iguala, o que nos faz
tão peculiares? O tema exige um olhar mais cuidadoso, dada a delicadeza que
envolve a saúde mental. Como a abordagem transpessoal contribui com as demais
modalidades de tratamento da angústia existencial, por exemplo? Que vantagens
agrega, que limitações enfrenta? Qualquer que seja a escolha do cliente, é
fundamental a confiança no profissional e na ética dele esperada. Afinal,
cuidar não é só tratar sintomas, mas também olhar compassivamente violências como
o racismo, o machismo, os estigmas da desigualdade, a falta de meios dignos de
subsistência e demais condições que ferem o humano na sua inteireza.
A terapia transpessoal busca integrar
aspectos espirituais e transcendentais da experiência humana com os métodos
tradicionais da psicologia. Portanto, considera o ser humano em sua totalidade,
incluindo dimensões físicas, emocionais, mentais e espirituais.
Bases Teóricas
Suas bases teóricas assentam-se em
diversas tradições espirituais e filosóficas, como o budismo, hinduísmo,
sufismo e a psicologia junguiana. Ela também incorpora conceitos da psicologia
humanista e existencial, além de teorias de desenvolvimento espiritual e
estados alterados de consciência. Ken Wilber (2007, 2016) é um de seus teóricos
mais conhecidos, ao delinear a integração da ciência e da espiritualidade. Vale
lembrar que “o processo de individuação conduz o sujeito a ser quem de fato ele
é pela integração da sombra e dos demais aspectos inconscientes. Longe de ser uma
forma de individualismo egoísta, a pessoa se torna mais atenta e cuidadosa com
o semelhante” Nascentes, P (2023) in: Wunderlich, M. e Andréia Roma
(2023).
Tipologia
Dentre as várias abordagens da terapia
transpessoal, destacam-se:
- Meditação
e Mindfulness:
Técnicas que promovem a consciência plena e a conexão com o momento
presente. Sofrimento por antecipação caracteriza a ansiedade. A conexão
com o presente, pela consciência na respiração, por exemplo, costuma
aliviar diversos sintomas. - Respiração
Holotrópica:
Método que utiliza padrões de respiração para acessar estados alterados de
consciência. Esse tipo de respiração só deve ser feito sob a orientação de
um especialista que a tenha vivenciado ele mesmo. - Visualização
Guiada: Uso de
imagens mentais para explorar e transformar aspectos internos. C.G. Jung usava
a imaginação criativa com seus pacientes. - Trabalho
com Sonhos:
Análise de sonhos, sem interpretá-los, permite acessar o inconsciente e
promover a integração de conteúdos internos. Antes de qualquer análise,
porém, muito se consegue nas sessões de arteterapia. Os símbolos presentes
nos desenhos, no uso de cores em pinturas tendem a facilitar e enriquecer
o diálogo terapêutico. - Dinâmica
Energética do Psiquismo:
Desenvolvida por Theda Basso e Aidda Pustilnik (2012), a Metodologia da Dinâmica
Energética do Psiquismo (DEP) enfatiza a consciência no corpo pela
respiração e movimentos corporais conscientes, para proporcionar o
desbloqueio de impregnações e crenças nos campos pessoal, familiar, social
e cultural. Isso permite a Percepção flutuante e a Escuta do Silêncio, instância
onde reside o Ser essencial. Outros recursos são a Meditação com a Espiral
do Desenvolvimento e com os Campos informacionais expressos pelos
triângulos ascendentes e descendentes. Ao final de um percurso de 20 passos,
o estudante se torna apto a atingir e sustentar o estado de Presença no
Ser essencial.
Pontos Positivos
- Integração
Holística: Ao considerar
o ser humano em sua totalidade, promove um equilíbrio entre corpo, mente e
espírito. É como se essas instâncias do sujeito passassem a dialogar entre
si mediadas pelo terapeuta, que o conduzirá ao Terapeuta Interno. - Desenvolvimento
Espiritual:
Facilita o crescimento espiritual e a conexão com aspectos transcendentais
da existência. No caso do Percurso Básico da DEP esse crescimento é
acompanhado em sessões periódicas com um terapeuta graduado pela Escola
DEP. - Flexibilidade: Pode ser adaptada às necessidades
individuais, utilizando uma variedade de técnicas e abordagens, incluindo
o registro das vivências e sensações percebidas no corpo em desenhos
espontâneos ou cartografias apropriadas.
Limitações
- Aceitação: Pode enfrentar resistência de
pessoas que têm uma visão mais tradicional da psicologia e da ciência.
Essa resistência poderá ou não ser atenuada conforme se sucedem as
primeiras classes mensais e o acompanhamento em pequenos grupos. - Evidências
Científicas:
Embora haja estudos que apoiem a eficácia de algumas técnicas
transpessoais, ainda há necessidade de mais pesquisas para validar seus
benefícios de forma ampla. Por isso mesmo, a Metodologia DEP conta com Grupos
de Estudo e Pesquisa, com publicações frequentes de trabalhos acadêmicos. - Complexidade: A integração de aspectos
espirituais pode ser complexa e desafiadora, exigindo um alto nível de
sensibilidade e competência por parte do terapeuta. Afinal, o Eu pessoal desenvolve
ao longo da vida estratégias bastante hábeis de sobrevivência. Será
necessário trabalhar a tensão entre a permanência e a transcendência, pela
promoção do diálogo simbólico entre as diferentes instâncias da psique.
Conclusão
A liberdade de escolha da abordagem,
metodologia, técnicas terapêuticas é um direito inalienável do cliente, que
precisa ser acolhido pelo terapeuta com, mais que cortesia e atenção, uma atitude
amorosa, prestadia, fornecendo todas as informações úteis para uma decisão a
mais acertada possível e que atenda caso a caso. Essa atitude poderá gerar confiança
mútua e minimizar episódios de transferência e contratransferência, tão comuns
especialmente nas sessões iniciais. Tudo será esclarecido e negociado com o
cliente, de forma a que tanto o cliente quanto o terapeuta acessem sua
inteireza para que qualquer escolha se baseie não só em informações objetivas, como
local, preço, modalidades de pagamento, número de sessões no mês, mas também
nos indicativos das subjetividades envolvidas no contrato terapêutico e a
garantia de sigilo e ética.
Uma vez iniciada a terapia, convém que
de temos em tempos uma ou mais sessões sejam destinadas à autoavaliação e à
avaliação do processo em curso, pois isso possibilitará manutenção ou suspensão
de procedimentos que, ainda que eficazes em muitos casos, não se adequam àquela
individualidade do cliente ou às restrições do próprio terapeuta, que poderá
encaminhar o cliente a algum colega ou a outro tipo de terapia mais indicado.
Esse reajuste de rumos, se for o caso, preservará clientes e terapeuta de eventuais
situações por vezes incontornáveis, pois a natureza do humano é imprevisível,
por mais que o autoconhecimento venha de muitas décadas de treinamento e
estudo.
Referências
BASSO, Theda e Aidda Pustilnik (2012). Metodologia
da Dinâmica Energética do Psiquismo. São Paulo: ICDEP.
___________________________ (2000). Corporificando
a consciência: teoria e prática da Dinâmica Energética do Psiquismo. São
Paulo: ICDEP.
BASSO, Theda e Moacir Amaral (2011). Triângulos:
estruturas de compreensão do ser humano. 2 ed. São Paulo: Theba Book.
JUNG, C.G. (2017). Fundamentos da
psicologia analítica. Trad. Araceli Elman, Edgar Orth. Petrópolis,
RJ: Vozes.
NASCENTES, Paulo P. Mentoria centrada
nos Ser: preparação, centramento, isomorfismo. In: WUNDERLICH, Marcos &
Andréia Roma (2013). Mentoring, coaching & advice humanizado ISOR: ferramentas
holossistêmicas. São Paulo, Leader.
WILBER, Ken. (2007). A união da alma
e dos sentidos: integrando ciência e religião.10 ed. São Paulo: Cultrix.
___________. (2016). A visão integral:
uma introdução à revolucionária abordagem integral da vida, de Deus, do
Universo e de tudo mais. 11 ed. São Paulo: Cultrix.
[1] Professor aposentado (IL/UnB),
escritor, poeta, terapeuta transpessoal com pós graduação pela DEP e arteterapeuta
pelo IJEP – Instituto Junguiano de Estudos e Pesquisa